ISSN 2692-3912

Alguns poemas de julho

Alguns poemas de julho

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Desenho contra o rectângulo

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Se o amor se traduzisse numa figura geométrica

seria aquele rectângulo onde o teu corpo

se reflectiu, num verão antigo, e um sorriso

nasceu no teu rosto como se, na tua imagem,

surgisse a imagem que sonhavas. E o que

eu sonhava era tirar cada um dos lados

do rectângulo e puxar-te para fora do vidro,

em todas as tuas dimensões, como se fosse

possível separar o espelho de quem nele

se reflecte. E avanço com o dedo em direcção

ao vidro, desenhando o teu perfil na sua

impenetrável superfície enquanto o teu sorriso

se transforma em riso ao ver a inutilidade

do meu gesto. Porém, uma e outra vez,

até ao infinito, farei esse desenho até que ouça

a realidade do teu riso e a tua voz que,

por trás de mim, me explica o que devo fazer

para que a tua imagem ganhe a matéria que

procuro, e me possas dizer qual a melhor forma

de traduzir o amor numa forma geométrica.

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26-7-23

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O espelho da estrofe

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Se me perguntarem para que serve

a poesia, peço para pegarem num espelho

de vidro limpo e puro. O rosto que ali

aparece, mais do que aquele de quem o olha,

é o rosto que perdura no olhar que, um dia,

encontrou noutro olhar o seu duplo. Assim,

se a poesia serve para alguma coisa,

é para te ver, para lá do tempo

e da ausência, e novamente ter à minha frente

esse olhar que nunca mais esqueci

e que vive, no mais fundo de mim,

quando te encontro, no espelho do poema,

fazendo com que eu peça que o reflexo

se transforme na realidade do teu corpo.

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22-7-23

 

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A rosa

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Passa, nestes versos, a corrente

de ar do amor. Em vão fecho as janelas,

encosto as portas, me escondo

atrás das cortinas: o ar atravessa-me

e sinto o teu amor, verso a verso,

ouvindo o murmúrio da tua voz

distante, o roçar dos teus longos

cabelos na minha mão, o calor

da tua boca quando a beijei. E abro

de novo todas as janelas, prendo

as cortinas com a argola

dos teus dedos, deixo que o vento

da tua memória empurre as portas

da estrofe, e tu entras, com a rosa

do desejo presa ao teu pescoço

para que eu a colha, de novo,

e ela floresça na corrente de ar

do amor.

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22-7-23

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Poema

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Invento o amor contigo. Não preciso

de equações, de fórmulas químicas, de experiências

de laboratório que acabam em explosão. O amor

só precisa dessa gramática elementar que vai

da interjeição ao verbo, e passa por um branco

oceano de lençóis. O seu sextante tem a forma

dos teus dedos, e sigo-o com a certeza de não me

perder na viagem do corpo. Sei que não preciso

de registar esta invenção: basta que fique

inscrita no poema, e para sempre

terá a forma do teu rosto, a tua voz

que nunca esqueço e esse movimento que,

ao contrário das leis da gravidade,

nos puxa um para o outro.

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21-7-23

 

Nova fotografia de perfil

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Sentada, com os cabelos escorridos

para o ombro, como um rio negro

sem limites, fecha os olhos. O que

ela quer ver está dentro dela, e

não se adivinham fronteiras

para a sua imaginação. Nas mãos,

que os dedos prendem uma à outra,

segura um lápis, como se tivesse

um desenho para acabar. Porém, é como

se estivesse na dúvida entre

utilizá-lo ou deixá-lo cair, para

se poder levantar e seguir

o seu caminho, deixando para

mais tarde os sonhos que teve.

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18-7-2023

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.O tempo é uma questão de poesia

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Da janela da estrofe, olho para as palavras

que voam, como pássaros enlouquecidos

pelo vento, e tento apanhá-las com a fisga

do verso. As palavras, porém, dizem-me

que vão a caminho da eternidade, e tenho

de acreditar nelas. Também a estrofe muda

com o tempo, e o que nos diz depende

do que sentimos quando atravessamos

o seu campo. É então que o sol se abre,

e os pássaros pousam nos ramos onde já

se adivinham as flores da primavera

que o seu canto alimenta.

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Muitas vezes pensamos no que temos

pela frente quando a noite se aproxima. Há

uma súbita consciência de que o céu

ficará vazio, e só um ruído de insectos

perturbará o silêncio do mundo. No entanto,

abro a rede que usei quando as palavras

passavam à minha frente: e elas saem

de dentro dela e enchem a página, numa ordem

que segue o ritmo desse canto que ouvi

quando andei pelo campo da estrofe. É

como se um novo sentido surgisse desse

ritmo e fizesse cantar o silêncio.

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Talvez haja uma diferença entre as palavras

que temos connosco e as que nos fogem. Estas,

obrigam-nos a correr pela frase até encontrar

o que queríamos dizer; as outras, fazem

parte de nós e nem precisamos de nos esforçar

para que elas nos encontrem. Porém, sem

aquelas que não sabemos de onde surgem,

a que dicionário da vida pertencem, em que

obscuro quarto as perdemos, ou em que

luminosa manhã as ouvimos pela primeira

vez, o canto não chegará ao fim, como

agora que o ouço na voz do poema.

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9-6-23

 


Nuno Júdice es un ensayista, poeta, novelista y profesor universitario portugués. Consejero cultural de la Embajada de Portugal y director del Instituto Camões en París, publicó antologías, crítica literaria, historia, estudios de Teoría de la Literatura y Literatura portuguesa y mantiene una colaboración regular en la prensa. Divulgador de la literatura portuguesa del siglo XX, publicó, en 1993, Voyage dans un siècle de Littérature Portugaise. Organizada la Semana Europea de la Poesía, en el ámbito de Lisboa ’94 – Capital europea de la cultura. Es actualmente director de la Revista Colóquio-Letras de la Fundación Calouste Gulbenkian. Poeta y novelista, su debut literario tuvo lugar con A Noção de Poema (1972). En 1985 recibiría el Premio Pen Club, el Premio D. Dinis de la Fundación Mateus en 1990. En 1994, la Asociación Portuguesa de Escritores, lo distingue por la publicación de Meditação sobre Ruínas, finalista en el Premio Aristeion de Literatura Europea. También firmó obras para teatro y tradujo a autores como Corneille y Emily Dickinson. Fue director de la revista literaria Tabacaria, publicado por Casa Fernando Pessoa y comisario para el área de Literatura portuguesa en la 49.ª feria del libro de Frankfurt. Cuenta con obras traducidas en España, Italia, Venezuela, Reino Unido y Francia. El 10 de junio de 1992, se convirtió oficial de la Orden de Santiago de la Espada, y el 10 de junio de 2013, fue ascendido a gran oficial de la misma orden..